terça-feira, 28 de setembro de 2010

Artesãos da vida

O Centro da cidade de Florianópolis (SC) é um lugar em que a contradição e o choque de culturas é nítido. Foi quando fazendo o trajeto Terminal Integrado de Florianópolis ao Terminal Rodoviário Rita Maria percebi as duas situações.

Do lado de lá da calçada há pessoas em luxuosos carros que passam buzinando. E também, gente andando a pé, em passos rápidos, olhando o horário no relógio e falando ao celular. Estão na corrida diária contra o tempo. Uma dessas pessoas, inclusive, era eu até parar e analisar a situação seguinte.

Do lado de cá da calçada estão eles, com panos estendidos ao chão e fazendo da rua, uma vitrine para exibir o próprio artesanato. Sentam ao conforto da grama, acendem o cigarro e ali ficam até conseguir o tostão do dia.

Trajes de cores berrantes, velhas e rasgadas, oposição ao capitalismo, homens e mulheres com cabelos compridos, sexo liberal, apologia as drogas e uma filosofia: viver de Paz e Amor. Estas são algumas características do estilo de vida hippie


Bula da velha hippie

Overdose de vida é do que ela tem medo. “A vida me inspira”.
Vestida com calça jeans sem bainha, uma blusa verde fluorescente com a gola cortada, um casaco colorido, cabelos grisalhos e despenteados, a velha e simpática Cigana, como é conhecida, já foi falando “Sou hippie por opção”. E ela ainda completa “não troco essa minha vida por nada”.

Cigana nasceu em Rosário do Sul, mas se criou em Porto Alegre, ambas as cidades no estado do Rio Grande do Sul. Ela tem 54 anos e se considera hippie desde os oito - idade em que começou a aprender a confeccionar artesanato e viajar para cidades vizinhas para vender a produção.

Amante dos museus, livros, artesanato, rock e reggae, Cigana jAá viajou por todos os cantos do Brasil e alguns países da América Latina (Bolívia, Chile, Uruguai, Argentina e Peru). As viagens internacionais, todas foram feitas pegando carona na estrada com os caminhoneiros. As no território nacional, algumas foram feitas de ônibus, mas a maioria também foi com carona.

“Já voei de avião uma vez, mas foi por necessidade. Precisei levar meu filho com urgência ao médico em São Paulo. Eu gosto mesmo é de viajar de carro, para conhecer cada cidadezinha que passo”, revela a hippie que ainda tem o sonho de conhecer o México. E um desejo: “Eu queria que o mundo não tivesse tanto progresso. As pessoas deixaram de se amar”, diz a velha, hippie e sábia.

O hippie surfista


Cabelo loiro, comprido (abaixo dos ombros), vestia um calçado de couro verde feito por ele, surfista, vegetariano, unhas e dentes limpos, viajante e paranaense nativo da Ilha do Mel. Everton Trentin, o Polaco, tem 28 anos e desses, dez ele está morando em Florianópolis.

- Posso conversar contigo? Eu perguntei.

- Claro, senta aí, fica a vontade, respondeu o Polaco com tranqüilidade.

Eu me sentei no chão de cimento, por de trás da vitrine dos artesanatos dele, encostada numa cerca de arame, no centro da cidade. O mais interessante: eu me senti a vontade e como se estivesse conversando com um amigo no sofá da casa dele.

Polaco acorda diariamente às 6h da manhã, surfa e quando não está chovendo vai ao centro da cidade vender os artesanatos. Caso chover, ele fica produzindo em casa. “A minha vida é sossegada, não me falta nada. É disso que eu gosto. É da natureza”, diz o hippie surfista.

Ele ainda afirma que todo o movimento da cidade, poluição, a corrida frenética das pessoas não afeta a tranqüilidade da vida dele. “Sabe que eu nem percebo tudo isso acontecendo aqui na minha frente?”. E quando eu pergunto se ele se vê entre quatro paredes, trabalhando numa cadeira confortável e no ar condicionado ele repudia e diz “essa foi a vida que escolhi para mim”.

A conversa ia se estendendo e ele não largou o alicate de trabalho em nenhum momento. Conversávamos e ele ia produzindo, naturalmente. As pessoas paravam e ele as atendia com educação.

Ele ainda me conta que os únicos estados do Brasil que ainda não conhece são Rondônia e o Acre e que também já foi à Espanha, Argentina e Paraguai. Polaco revela: “Sonho em viajar muito e surfar em muitos lugares. Sempre com uma mochila nas costas, prancha embaixo do braço e meus artesanatos para me manter”.

No final da tarde, ele volta para a casa de madeira que ele próprio construiu, em Ponta das Canas, para descansar, talvez surfar. Quem sabe o que vai acontecer daqui a um segundo?


A hippie enóloga

Graciela Mankowiski. Este é o nome da moça que possui apenas 23 anos, é casada, cursou enologia e que com 16 anos decidiu o rumo que levaria a vida “Vou virar louca”, conta.

Sem residência fixa, celular, câmera digital e computador, Graci registra as viagens em fotografias que tira com a câmera analógica e num caderno que carrega na mochila no qual faz anotações.

Graciela está sempre viajando de um lugar ao outro. Conhece boa parte dos estados de Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Goiás e São Paulo. O lugar que sonha conhecer: Machu Picchu, cidade localizada no Peru. Próximo destino: ela diz que não sabe, mas que tem um mapa guardado e escolhe a dedo a próxima parada. Sentido da vida: conhecer os lugares.


A Semelhança

Uma velha, uma moça, um rapaz e uma filosofia: Paz e Amor.
Três personagens que se encontram diariamente no centro da cidade, nas proximidades da rodoviária para desfrutar da natureza, sossego, paz e conseguir comprar o pão.
Andarilhos, mochileiros, filósofos. São eles, os hippies.

A lição


Há quem prefira andar em cima de uma sola de sapato confortável, mochila nas costas e roupas de bom caimento. Há quem priorize uma alma serena, aprecie a brisa do mar e consegue valorizar a quentura do sol que dá vida. Há quem tenha tempo, todos os dias, para sentir estes sentimentos.

Por de trás de uma escolha, há uma filosofia de vida. E mais: uma vasta experiência. São viagens, culturas, amigos dos quatro cantos do mundo e que eles não abrem mão: a Paz e o Amor, sempre.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

São só saudades. Como se fosse pouco..

Era terça-feira de carnaval, do ano 2004. Lembro como se fosse ontem. O dia estava lindo, o sol queimava e ardia como os dias quentes típicos de verão em Florianópolis.

Eu e meu irmão, na época ainda éramos amigos, fomos para a praia da Barra da Lagoa, ainda de manhã. Passaríamos o dia lá e à noite curtirmos alguma festa de carnaval. Mas não saiu como planejado.

O celular tocou de tarde. Era meu pai. Ele disse com uma voz trêmula, mas querendo passar tranqüilidade. E veio a notícia. Minha mãe havia sido internada no Hospital de Caridade as pressas. Passava mal e a pele estava amarelada. Parecia que tinha sido tingida com tinta. Suspeitavam de hepatite.

Naquele dia ela dormiu no hospital. E no outro também.. e não sei mais quantos ela precisou dormir lá, até diagnosticarem um câncer no fígado.

Foram cirurgias, idas e vindas de hospitais. Sessões de quimioterapia, viagens à Curitiba, melhoras e recaídas. Ganha e perda brusca de peso. Sorrisos e lágrimas. Três anos de luta se passaram e ela se foi em um lindo dia de sol quente de verão, no dia 22 de janeiro de 2007. Se foi como um anjo sereno.

Lá, naquele dia de sol em 2004 que eu iria curtir minha terça-feira de carnaval, mudou completamente o sentido da minha vida, sem ninguém me perguntar ou me preparar.

Hoje me sinto só e cheia. Cheia de saudades e ensinamentos.