sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Alguém sempre te observa

Ele chega preocupado. Senta-se na cadeira azul com rodinhas, entrelaça os pés um no outro, descansa seus pulsos sobre a mesa. Respira. Respira fundo. Observa a tela do computador. Abre o Word e começa o trabalho. Digita sem parar. Digita freneticamente. Ora olha para o papel ao lado do teclado, ora para a tela do computador. Os dedos não se cansam de escrever.

Ouvi um burburinho. Acho que foi um sorriso. O texto parece alegre. Espiei a tela dele e visualizei alguns trechos: “Mulher negra”. ”Meia idade”. “Ouve música enquanto lê”. ”Canta enquanto lê”. Como isso pode? Mais que isso, “ela debate indignada com o próprio texto”. Genial.

Ele continua fixado no que escreve. Descobri o que ele escreve. Está passando o rascunho escrito a mão para o computador e aí sim começar a história da mulher negra de meia idade.

Eu fui muito esperta agora. Tentei espiar novamente o que ele escrevia e ele percebeu. Simpático, virou o monitor e pediu para que eu lesse o início do enredo dele. Li sorrindo. Gostei. Descobri mais coisas sobre a protagonista.

Além de pele negra, possui cabelos ruivos, com a raiz aparecendo. Ela é moderna. Veste cachecol, sobretudo jeans e camisa quadriculada.

Deve ser feliz, ela.

Atrás da carcaça existe alguém que não conheço

Tem um rosto cansado, mas sereno. Cabelo grisalho, estatura média e fica ao critério de quem quiser conceituar quanto é médio. Pernas finas e compridas. Vestia uma calça jeans que certamente é uma de suas preferidas, pois está com o tecido bastante gasto. Blusão azul marinho, com a etiqueta a mostra. A marca do blusão é pequena e vermelha. Mas é das caras! Caras e desejadas no meio masculino.

Ele entra e se senta na cadeira como se estivesse no sofá da própria casa. Observa quem está ali. Mexe no material de trabalho com as mãos brancas e com veias saltitantes. Pensa no que vai falar com aqueles poucos que chegaram no horário. Começa a questionar sobre alguns assuntos. A voz é lenta. Muito lenta. Tão lenta que a gente se perde nas frases. Entre uma palavra e outra há uma tosse que faz o ouvinte despertar.

Alguém comenta baixinho: - “Ele não muda o tom da voz enquanto fala, vou acabar dormindo!”

No punho esquerdo ele carrega um objeto que o faz pontual. Um relógio prateado. No punho direito há uma fita azul cor do céu durante o dia. Daquelas que a gente compra para dar de lembranças e diz: Faz um pedido enquanto amarra, quando ela arrebentar vai ser realizado!

Não sei qual foi o pedido dele, mas tenho algumas sugestões. Alcançar o sucesso profissional, saúde para ele e a família, conseguir aquele emprego! Ou talvez uma viagem com a esposa. Sim, ele carrega na mão esquerda uma aliança dourada. Tem uma esposa que é linda e bailarina. Eles gostam de beber um bom vinho acompanhado de um bom prato de comida. É um casal romântico.

Ainda sobre os apetrechos que carrega no corpo, tem o óculos de grau. Coitada daquelas orelhas cansadas! E os olhos? Não enxergo os cílios dele. Talvez não os tenha. Ou sejam curtos, quase imperceptíveis.

Os lábios são finos e pequenos. Não os movimenta muito enquanto fala. Talvez não tenha dentes. Calma! Pasmem! Ele sorriu! Ele sorri! Foi o primeiro sorriso do ano! Há dentes sim! E são simpáticos! Entre os dentes do meio há um vão, como se fosse uma janelinha.

Ele sumiu. Saiu à francesa. Não disse nada. Ninguém notou sua ausência. As pessoas continuaram ali.

Ele voltou. No segundo horário. Ele é você, leitor professor - Paulo.